segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

(03) Realidade-viva

  Richard, desculpe se essa carta demorou a ser escrita. Sei que prometi que não demoraria, mas muitas coisas aconteceram. Tudo tem mudado por aqui, dentro e fora de mim. Não consigo entender Rich, e acho que jamais entenderei o que as pessoas chamam de “a dinâmica da vida”.

  Tenho trabalhado bastante na livraria, pra falar a verdade, quase não vou mais a aula. Agora, mais do que nunca, agradeço ao Sr. Toubach pelo trabalho, pois o estado de saúde da mamãe piorou muito, e o gerente da fábrica a demitiu pra evitar gastos com a saúde dela. Nossa única fonte financeira agora é meu trabalho. Com ele, amadureci muito.

  As coisas por aqui andam de assustar Richard. Às vezes, sinto que não sou uma jovem... Talvez por não me comportar, vestir, pensar e falar como tal. O ser humano me espanta, irmão. Já nascemos com um fim: impedir que o ciclo se rompa. O ciclo de viver uma vida inteira ‘pagando’ à sociedade pelo simples fato de ter nascido. Já está tudo pronto. A mulher é frágil, o homem, rude. Li sobre isso esses dias... Falava sobre o conceito da “mulher-boneca” e do “homem-de-ferro”, encantei-me como o modo como a autora consegue te fazer ver que o ciclo existe, mas o que o alimenta é a nossa omissão, nossa apatia social.

  Tenho tentado cuidar da mamãe, mas não podemos pagar um médico. Seria quase todo o meu salário para apenas uma consulta. Tem dias que ela nem sequer come... E quando saio, sei que ela chora e reza a Deus pra que morra logo. Não sei mais por onde anda a mulher que era meu exemplo. Talvez ela esteja aqui dentro, em algum lugar bonito.

  O trabalho aqui na livraria é bom. De vez em quando meus amigos vem aqui, então conversamos um pouco sobre a vida e tomamos um café, depois retorno pra solidão do balcão escuro e dos livros. É estranho ficar sozinha aqui o dia quase todo. Livrarias não são lugares tão visitados quanto deveriam, mas de vez em quando tenho umas surpresas. Sabe quem veio aqui há alguns dias? Aquele de quem te falei, o Hill, o saxofonista da banda. Ele veio me perguntar porque não tenho mais ido aos ensaios, e se ofereceu pra ensaiar comigo aqui na livraria mesmo de vez em quando. Ele não é tão fechado quando parece, e eu nem sequer me lembrava que fosse tão bonito. Mas não vem ao caso. O Thomas, digo, o Tom ficou com uma cara meio emburrada quando contei a eles. Mas nem ligo pra isso.

  Richard, esses dias fui à Divisão para saber notícias suas e do papai, e eles disseram que os nomes de vocês não estavam na lista de filiados, isso até me preocupou um pouco. Mas deve ter sido apenas um desleixo deles. O sargento com quem falei não me foi muito receptivo. Mas eu o entendo, talvez seja essa a função dele. Amedrontar pessoas pra “manter a ordem”.

  Queria ter notícias de você também Rich. Porquê você nunca responde minhas cartas? Queria saber como estão você e o papai, e quero saber sobre sua vida aí, sobre o que tem feito, etc. Sinto saudade de vocês irmão. Esses dias tive um pesadelo terrível com vocês. Sonhei que eram seqüestrados e torturados em troca de informações sobre a Divisão, acordei com muito medo, mas não contei nada a mamãe.

  Por favor Richard, me responda assim que puder. Pra que eu possa ficar mais tranqüila, ok?

 

Fico por aqui. Espero escrever logo a ti novamente.

Tentarei manter vocês informados sobre a doença de mamãe.

Leve a sério o que te falei, certo?

Da um grande abraço no papai pra mim, e um pra você também.

Qualquer coisa, escreva pela Divisão.

 

Que Deus os abençoe.

 

Obs: junto com essa carta vai uma medalhinha que comprei pra você. Ela é estampada com a figura de um anjo segurando duas espadas. Não sei quem é esse anjo, mas me lembra muito você.

 

Obs2: Não perca isso!

 

Obs3: Eu amo vocês.

 

 

Cuida do papai Richard.

Um beijo de sua irmã,

                           Joanna.



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Link do Capítulo 02: http://loucurasredigidas.blogspot.com/2008/12/02-tempo-passado.html

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

(02) Tempo-passado

Richard, há quanto tempo não nos vemos, irmão. Acabo de ler aquela cartinha de 6 anos atrás. Hoje é meu aniversário... Estou fazendo 16 anos. Como vão as coisas por aí? Muitas coisas aconteceram por aqui. Sabia que já fazem 3 anos, 7 meses e 14 dias que a gente não se vê? Pois é. Vou listar alguns fatos importantes daqui pra você:

 

- Minha professora faleceu em decorrência de uma parada cardíaca. Assim que a sirene ecoou pelos corredores, ela foi andando e depois de alguns poucos passos tombou, vítima de um ataque fulminante. Seu velório foi bastante cheio, era bastante querida por todos.

 

- Nunca mais nevou como naquele ano... Apesar de que mês passado a mamãe ficou acamada, com um quadro moderado de pneumonia. Ela está muito frágil desde o acidente do papai, vez em quando ela fica num canto chorando, enquanto se faz de forte na minha frente.

 

- Minha vida mudou demais Richard. Meu corpo está estranho, me sinto inchada, disforme. Além de tudo, me incomoda muito o período menstrual, me sinto irritada, nervosa. Vejo que meu corpo está ficando parecido com o da mamãe, engordei muito, em pouco tempo. O 1º ano colegial é estranho Rich, as pessoas são ainda mais frias e nada é permitido. Às vezes, me sinto envergonhada por minhas roupas serem simples. O preço das coisas aumentaram muito. O trabalho da mamãe tem dado apenas para comprar comida. Começarei a trabalhar no próximo verão, na livraria do Sr. Toubach, lembra-se dela? Fica algumas ruas depois daqui.

 

- Consegui alguns amigos legais. A mamãe não me deixa sair com eles à noite, diz que é arriscado andar à noite por aqui. Mas eles são bacanas, de vez em quando tomamos um sorvete juntos. Somos 5... Eu, o Willian, o Tom, a Nancy e a Sarah. Confesso que o Tom me vê com bons olhos, mas a mamãe não aprova. Diz que ele não é um garoto sério, e que quer apenas se aproveitar de mim, mas não acho que seja isso.

 

- Ah, a Sarah é aquela mesmo. Nós nos entendemos, e acabamos virando muito amigas. A família dela foi muito afetada pela crise financeira, e parte dos negócios entraram por água abaixo. Depois disso ela descobriu que o mais importante da vida está no que somos, e não no que temos. Nos encontramos na rua, certo dia, e ela me pediu desculpas. Acabamos por conversar e agora estudamos juntas novamente.

 

- 16 anos não é fácil Richard, agora toco trompete na banda da escola e trabalho na biblioteca. Lá é meio parado, mas é legal. Um dos meninos da banda, o Hill (não sei o nome dele, mas o chamam de Hill), veio pra cá depois da crise. Ele morava no norte dos EUA, em uma cidade pequena que foi transformada em zona de treinamento. Depois disso, seu pai resolveu vir pra cá. A história dele é muito triste, ele perdeu a mãe e dois irmãos em um acidente de trem. Ele não fala muito, talvez por causa disso. É o melhor saxofonista da banda, mas está sempre sério. No intervalo, ele fica sentado sozinho, em algum canto... Dizem que ele fica o tempo todo relembrando o acidente, do qual saiu sem marca alguma.

 

Tenho muitas novidades pra contar ainda Richard, mas por enquanto fico por aqui.

Não demorarei a escrever-te novamente.

Saudades de você Rich, e dá um beijo no papai pra mim.

Como está a perna dele, não deixe-o fazer muito esforço, ok?

Já aprendeu a consertar as máquinas?

Você logo poderá substituir o papai.

 

Sinto saudade de você.

Espero te ver logo.

 

Um beijo,

      Joanna.



{OBS: pra quem não leu o (01), aí vai o link: http://loucurasredigidas.blogspot.com/2008_11_01_archive.html }

domingo, 30 de novembro de 2008

(01) Re-memórias

“É 21 de julho de 1982, faz muito frio e praticamente não se vê coisa viva alguma passar na rua. A neve cobriu toda a região, mais uma vez. Algumas famílias, mais carentes, foram levadas para abrigos públicos, pois à noite a temperatura cai até -15°C, nos piores dias. Desta vez, mamãe proibiu-me de sair à rua. No último inverno adoeci gravemente por me expor ao frio...

  É nessas horas que sinto falta do meu pai, e do Richard. Talvez mamãe me deixasse sair se ele estivesse aqui. Mas é melhor assim, agora mamãe se preocupa muito mais comigo. Além de tudo, o Richard sabia como fazer tudo parecer culpa minha. Aquela carinha de anjo, o sorrisinho levado, os olhos azuis como o céu. É, até que sinto falta dele sim... Mas não quero mais pensar nisso, ou vou acabar ficando triste.

  Há uma semana não tem aula, por causa da neve. Eu gosto da minha escola, meus colegas são meio estranhos, mas isso também é legal. Às vezes a Sarah me irrita, é verdade, mas ela insiste em ser sempre insuportável, não é culpa minha. Minha professora é uma pessoa muito boa. É uma senhora de uns 60 anos, que está sempre com seus alvos cabelos amarrados em coque, e com o habitual óculos quadrado. Ela quase nunca sorri, mas é sempre muito atenciosa. Além de tudo, ela tem uma letra muito bonita e redonda, diferente da minha... Mas não vem ao caso.

Daqui a pouco a mamãe chega do trabalho, trazendo biscoitos e bolo. Aí ela me dá um beijo e me coloca pra tomar banho. Quando termino a mesa já está arrumada, como chá e chocolate quente. O primeiro pra ela, o segundo pra mim. Aí depois que terminamos eu a ajudo a lavar a louça, e vou dormir, enquanto ela arruma a casa e prepara o almoço do dia seguinte. Minha mãe é uma pessoa muito boa, e muito esforçada também. No fim de semana, quando o tempo está ensolarado, ela me leva ao parque, e ficamos lá. Ela sempre arruma meu cabelo como quem cuida de uma boneca, e depois passa em mim o perfume dela. Ela é muito atenciosa comigo, mas também muito rígida. Qualquer deslize e ela já briga comigo. Não costumo aprontar, mas eu gostaria de ter mais liberdade. Mas gosto da minha vida como ela é, pelo menos eu acho que gosto.

Agora tenho que ir, está ficando tarde. Um beijo pra você papai, onde quer que esteja, e pra você também Richard. Até mais.”

 

Joanna

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Da verdade das coisas...

Ouvi dizer certa vez que a verdade do mundo está naquilo que não se pode ver.
“O essencial é invisível aos olhos”, disse-me com segurança um velho amigo que há tempos não vejo. Mas como posso seguir, sabendo que a essência do mundo é uma mera abstração? Como posso trilhar o bom caminho sabendo que não poderei tocar, sentir, entender, apenas almejar? Oh Céus, talvez o mundo não tenha sido feito para o homem... Seremos nós, também, uma mera abstração do mundo real que nos cerca?
Não posso crer no homem como mera passagem, somos, então, a sombra da verdade, e não a verdade em si.
Da janela posso ver o mar, posso ver a infinidade de vidas que se cruzam sem notar, sem saber, sem ao menos pensar. Aos poucos, meus pés vão deixando marcar na areia, e as ondas começam a molhar-me os pés. Sob as águas do mar, que é pra onda levar, toda a leva de dor, e algo mais que ficou... E o vento passa, soprando-me a realidade dos fatos, somos apenas a distorção do real. Até mesmo os pássaros que cantam para o mar, a paisagem da flor na janela. Da solidão dos cacos do meu quarto fizeram-se as sombras sobre mim... Temi, acreditei por um minuto que aí estivesse a verdade das coisas. Não poderia, me desfiz daqueles pensamentos. A essência do mundo está por todos os lugares, e se os olhos humanos não fossem tão turvos e cheios de orgulho, talvez pudéssemos sentir.
Senhor, explicai-me: porquê estamos aqui? Por quê tantas vozes, esses gritos de sofrimento, tanto choro, as rezas, as lamentações. Explicai, por favor, de onde vem a verdade do mundo? Estará dentro de nós? Estará na natureza, na simetria das coisas, na singularidade de cada ser? De quem são essas mãos que tocam, que curam as chagas, que manuseiam delicadamente os instrumentos a obliterar-me os sentidos? Escutai Senhor, escutai meu lamento. Explica-me, eu preciso saber. Poderei eu, humano, conhecer a verdade das coisas?
Caminho contra o sol, a luz me faz bem. Ainda posso ouvir a música, é leve, mas pulsante. O vento sopra-me a face, e afaga-me os cabelos. Já não posso ver, sinto-me parte da luz... Continuo a caminhar, um passo diante do sol, um dia na sombra de Deus...

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Da paisagem de inverno.

Era uma tarde de inverno e fazia frio. Era um frio gritante, maldoso e úmido, profundamente úmido. Meus pulmões estavam cheios daquele ar gelado, minha cabeça e meu peito doíam, estáticos. Meu corpo já não apresentação movimentação alguma na tentativa de produzir calor, nem sequer tremia mais. Fora simplesmente endurecendo, sonolento, pesado.

À beira daquele rio o tempo parecia parado, nem mesmo as águas sentiam-se fortes o bastante para continuar correndo. Até o dançar suave das árvores já havia cessado uma estação antes, tudo parecia anestesiado, ausente. Meus olhos já estavam fechados quando ouvi aquela voz doce. Esta parecia totalmente distinta daquela paisagem, era quente, confortante. E este som abraçou-me, afagando minha face, suavizando minhas sensações. Nesse momento, esqueci do dançar das árvores, assim como do correr das águas e dos pulmões cheios de ar. Eu era a plena expressão de um som, notas harmoniosas que combinavam-se com palavras e embalavam-me a alma.

Nesse dado momento, já não sabia onde estava meu corpo. Sem frio, anestesia ou sono, pus-me a rodopiar sobre a voz. Aquela voz mexia comigo, seu timbre claro, carinhoso. Dançávamos eu e a liberdade, sob uma paisagem que parecia algodão, ou nuvem. Teria eu morrido sem saber? Iniciados meus questionamentos, um novo elemento surgiu.

Um dedo frio tocou-me a testa, riscando cautelosamente minha utopia. Não houve tempo de pensar, desabei sobre o corpo gelado à margem do rio. Logo após o baque surdo, as sensações voltaram. Desta vez, haviam muitas vozes curiosas ao meu redor. Algumas mãos tocavam-me, e uma infinidade de pensamentos misturavam-se perante a platéia, ansiosa por alguma resposta.
Meus olhos se abriram, rompendo de modo pouco singelo alguns dos comentários dos espectadores. Um cheiro rubro de curiosidade e água correndo misturaram-se no ar gelado. A confusão permaneceu presente em mim, até que uma voz ergueu-me, dizendo:
- É hora de irmos embora, despeça-se logo do rio e da ponte, assim como das pessoas que assistem. Despeça-se também do frio e das árvores nuas e imóveis, descalce-se desse solo úmido e venha comigo. Mas nunca olhe pra trás.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Por fim,

Ao menos hoje dê-me o direito de chorar, de não precisar levantar depois da queda, de perdoar meus erros, de não precisar dar orgulho a ninguém, de crer em mim, de não fazer nada, de cantar músicas que ninguém gosta, de deitar na grama e buscar formas nas nuvens, de me amar como eu mereço.
E se eu não correr, não disser, não amar, não tentar, não sonhar, não viver, não sentir, não gritar, que o mundo não pare, e se os dias passarem, que alguma mudança aconteça. Quanto às escolhas que eu não quis fazer, que seu fardo seja ao menos suportável. Que as rédeas da minha vida permaneçam em minhas mãos, e não me falte força pra manter a cabeça erguida. E que minha esperança não desça pelo ralo como a água que corre sobre mim.
E até que a vida limite meu alcance, que eu possa ser mais, ser luz, ter paz, ter Deus, ser meu, ser teu. E que ao menos por um dia eu sita todas as emoções de estar vivo, que eu encare todos os sorrisos, e derrame as lágrimas sufocadas, que toque a lua com o dedo, que cobre os abraços prometidos, e revele todos os segredos que eu nunca soube responder.
E que as forças dessas palavras possam erguer-me do chão, e levar-me ao mais singelo paraíso sem ao menos sair do lugar. Sei que um dia essas palavras chegarão ao destino certo, mesmo que não haja remetentes. Abra sua mente pra mim, deixe-me fazer de você minha carta de alforria. Minha semente de liberdade já foi plantada em seu coração, e que a primavera não me negue o direito de colher de ti o fruto de nossa mudança.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Na manhã de inverno...

E que se fechem as cortinas, o espetáculo acabou. Não se vê mais palhaço, pipoca ou picadeiro. Não se vê mais senhoras nas varandas, não se ouvem mais cirandas. Não mais festejam o verão, nem se escondem no inverno. Não se nota solidão, não se nota, emoção, não se nota coração, não se nota nada. Não se brinca carnaval, não se une no natal, não se escolhe bem ou mal, não se faz mais nada. Não se vê mais passarada, nem se vê a criançada chegar rindo da escola.

E que se fechem as janelas, primavera já passou. Como passamos você e eu. Como passou a diversão, como viveu por tanto em vão, como vivemos você e eu. Mas o tempo não volta mais, não volta paz, não volta amar, não volta crescer. Porque o sonho acordou, e se viu velho no espelho. E nem mesmo as raras flores do inverno podem diminuir o frio, porque ele vem de dentro. Vem da lágrima que não desceu, do grito que se calou, do medo que se escondeu. Como escondemos você e eu, da chuva que cai sobre nós.

E que se fechem todas as portas, o sorriso envelheceu. A fotografia perdeu a cor, as ruas perderam a cor, os cabelos perderam a cor. Mas as águas de Março não fecharam o verão, nem promessas de vida no meu coração, nem pau, nem pedra, só o fim do caminho... E a flor que brotou já morreu, e o sonho que brotou já morreu, como também morremos você e eu. Porque quando perdemos o brilho no olhar, já não eramos nós, já não tinhamos voz, não desfizemos os nós, tão sós. E a solidão já não canta mais, já não brinca mais, já nem sai de casa... A solidão é nada. E nesta manhã o sol resolveu não nascer, mas a lua também não apareceu, assim como não aparecemos você e eu.

E que se apaguem as luzes, porquê a escuridão já é forte demais. E que a maré invada o cais, já que os dias são todos iguais. Nem mesmo os pombos suportam a praça vazia, não se ouve mais os ecos daquele dia, não se usa mais fantasia. E tanto faz, porque quando a luz se apagar, estarei sozinho outra vez... Mais uma vez. Como apagados ficamos, eu e você.

Mas quem sabe o espetáculo não começa outra vez, quando o inverno acabar...

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Senhora da flor

O beija-flor na janela

É ela

É dela

Brincando com a minha flor

Brincando com o meu amor

Voando e indo embora

Levantando-se e indo agora

Enquanto uma música toca

Aquela que é nossa canção

Adeus, adeus, meu amor

Senhora da minha flor...

quinta-feira, 8 de maio de 2008

De todas as verdades...

De todas as verdades que tive, a mais sincera foi não saber nada. Porque saber é muito pra quem é tão pouco, e somos muito pouco pra tentar ser tanto.
Por um instante, eu achei que soubesse, eu achei que tivesse o destino nas mãos. Eu achei, porque achei? Achar é tão pouco, quanto eu, quanto querer saber. Me vi sozinho, rodeado por meus saberes, falsos saberes, que se amontoam sobre mim tal qual livros sobre a mesa. E como dói o peso de não saber, ainda que soubesse que pouco sabia...
E com tudo veio o desprazer de se ver como é, tão frágil, inocente e medroso. Tão pouco, tão somente um humano, entre os muitos humanos que não o querem ser, querem ser mais, querem ter mais. E vivem pouco, porque gastam tempo demais tentando ser o que não são, e usam toda a força de que dispõe pra tentar mudar o destino, inutilmente. Humanamente, falham. Humanamente, choram diante da derrota.
E de todas as verdades que eu tive, todas ruíram sobre mim. E viraram cinzas, como eu.

sábado, 5 de abril de 2008

A verdade de um suicida

Era apenas um garoto de 16 anos
Tinha sonhos, tinha planos...
Tinha uma vida pela frente
Tinha sim um sangue quente
A correr dentro das veias
Tinha o canto da sereia
Tinha o verso e a poesia

Era apenas mais um ponto
A compor o universo
Era quase sempre verso
Era dor e solidão
Ao ruim tombou ao chão
Mas sem grito agoniado
Morrera asfixiado pelo próprio coração

Chora menino
E com teu pranto faz um verso
Chora toda a tristeza
Chora súbita ilusão
Acabou o desengano
Chore sim, pois é humano
Chore mais uma canção

Mas te lembra da tua vida
Da alegria esquecida
Vê se leva essa tristeza
Pra junto do teu caixão
Pra sete palmos abaixo do chão
Leva toda essa amargura
Leva junto essa escritura carregada de saudade

Grita ao vento seu martírio
Porque jaz contigo o sacrifício feito a essa geração
Não respire esse ar impuro
Não cometa essa loucura
Não sufoque a esperança de mudar mais um destino
Nesse peito de menino morre um ser dilacerado
Mas um ser fruto do estrago de uma vida sem razão

Vai então e descansa em paz
Seu dever já foi cumprido
E deixe que o destino traga mais uma emoção
Fez-se todo por sua parte
Fez-se vida por sua vida
Sua memória jamais será esquecida

Pelos que partilham da mesma solidão.



- Inspirado pela história do garoto Vinícius, conhecido virtualmente como Yoñlu, que cometera suicídio em 26 de julho de 2006, deixando um acervo de mais de 60 músicas, que foram transformadas em um cd. Yoñlu, apenas mais um adolescente dividido entre o réfúgio do mundo virtual e a frieza do mundo real. Fruto do desequilíbrio, apenas mais um suicída, que teve sua morte incentivada, e ensinada, por outros refugiados do mundo virtual. Apenas mais um garoto nas estatísticas.
Em paz, Yoñlu.

terça-feira, 25 de março de 2008

~ De um universo infantil ~

Era, sem dúvida, a risada mais gostosa do quarto. Acredito que a melhor que já ouvi. Talvez, não fosse por aquela risada todos os dias, eu estivesse mal até hoje. Mas não havia como não sentir-se bem com aquela risada, era calma, natural.
Na verdade, eu nunca disse a ela que não a achava bonita, mas beleza não era muito devido à sua simpatia. Era sempre educada e gentil, mesmo quando não estava muito bem.
Antes de conhecê-la eu tinha na cabeça que todo gordo era chato, mas descobri eles são os mais simpáticos entre a classe dos não-agraciados fisicamente pela natureza, ou seja, os feios.
Pra uma criança na minha idade, beleza não é algo tão prioritário. Acredito que o conceito de beleza socialmente aceito vai sendo incorporado aos poucos ao longo da infância e da pré-adolescência. E quanto à idéia de que crianças são puras e inocentes, não creio nisso! As crianças, a cada dia mais, mostram já nascerem com uma carga de informação tal, que, cada vez mais cedo, se equipara à de um adulto.
Foi no meio desse turbilhão de informações que adoeci e vim parar aqui. E assim conheci minha risada predileta. Ela me prometeu que mesmo saindo daqui virá sempre me visitar, até que eu melhore também e possa sair.
Eu, ser pensante, no auge da minha infância, acredito ter criado meu próprio conceito de beleza. Bonito é tudo aquilo que faz bem, e o que não faz bem é feio. É bem simples! Talvez eu mude meus conceitos ao longo da minha vida, com o passar do tempo vou aprender muito mais coisas que me ajudarão a criar conceitos cada vez melhores. Mas o importante é saber que eu posso criar meus próprios conceitos...
Bem, agora preciso tomar o meu remédio e dormir. Ainda bem que a mamãe trouxe papel de escrever pra mim. O tédio é a pior parte daqui... Mas eu logo estarei bom, e vou poder brincar na rua de novo. Espero não adoecer novamente.
Amanha eu escrevo mais...

sábado, 15 de março de 2008

A história de Luiza...

Era uma quarta-feira, chovia muito e o vento invadia todos os lugares, esfriando ainda mais a cidade. Quando chovia ninguém saía de casa, todos corriam para se aquecer de alguma forma e no conforto de seus lares dormiam um ótimo sono em suas camas macias e quentes.
Porém, para Luiza sempre fôra diferente. Não existe conforto algum nas marquizes, e não há maciez alguma nos poucos trapos que ela carregava. Além de tudo, os papelões que cobriam o chão não isolavam-a do frio. Mas isso não era o que mais a fazia sofrer. Pior era o frio que sentia por dentro. Sem amigos, sem família, sem atenção. A solidão era, por si só, o bastante para que ela fosse triste. Mas ainda assim, Luiza não era de se lamentar.
Às vezes, ela queria ser grande o bastante para conseguir um emprego. Com a pouca idade que tinha ninguém a queria, e o único orfanato da cidade só aceitava crianças deixadas pelos pais, ou algum familiar. Mas o que faria? Fôra abandonada por seus pais com pouco mais de 3 anos, a única lembrança que tinha era da voz de seu pai. Nunca mais ouvira aquela voz. Não tinha nenhuma foto ou algo que a ajudasse a lembrar dos rostos daquelas que a puseram no mundo. Às vezes sonhava com pessoas que chegavam e a abraçavam, e chavam-a de filha, desculpando-se por todo o sofrimento que havia passado. Mas logo acordava e via que estava tão só quando na noite anterior, e voltava-se para o seu mundo... Mundo este onde sobreviver é o objetivo, onde não se medem esforços para manter-se vivo.
Tudo que Luiza sabia havia aprendido na rua. Inclusive, que aqueles que estão na rua fazem parte da estrutura social da qual fazemos partes. Ou seja, em qualquer cidade do mundo haverão pessoas com muitos bens, e outras com apenas a própria vida. Isso está pré-determinado. Para que haja riqueza deve haver pobreza.
Luiza via constantemente outras garotas de sua idade na rua voltando da escola, entrando e saindo de lojas, entrando e saindo de lachonetes. E ela se sentia bem com aquilo, via que aquelas crianças eram felizes. Como pode, ela vivia em tão precária situação, mas não sentia inveja daquelas crianças. E quando sentia-se muito triste ela se sentava e imaginava-se em uma vida mais tranquila, indo a escola, almoçando com seus irmãos e pais, assistindo televisão vestida com um pijama comprido, indo ao parque toda arrumada em um domingo bem bonito. E com isso ela sorria, e percebia que cada um tem o que precisa pra viver. E que s ela tinha tão pouco é porquê podia sobreviver com aquilo. Talvez uma daquelas outras crianças não aguentariam a vida que ela levava, talvez ela não aguentasse a vida que eles levavam...
Assim vivia Luiza, sempre pensando em continuar vivendo, sempre pensando em crescer e ser feliz. Esta é apenas mais uma criança abandonada, mais um fruto torto da desigualdade social.
Para quem tão pouco, qualquer pequeno gesto tem grande dimensão... Um sorriso de alguém que somente passou por ela por valer-lhe o dia. Porque precisamos de muito mais do que comida e água pra viver. E quantas Luizas não existem no mundo esperando apenas um sorriso de você que passa na rua...
Dentro da construção social em que vivemos somos causa e consequência o tempo todo, somos todos responsáveis pelos os acertos e erros da sociedade, somos todos um.

domingo, 9 de março de 2008

...

Eu nunca me atrasava pra pegar o ônibus... Todos os dias, às 7h, o ônibus passava. Ele sempre chegava às 6:58h, e saía às 7h. Eu sempre acordava muito cedo, me arrumava e andava calmamente até o ponto. Chegava sempre com 15 minutos de antecedência, sentava-me, abria meu livro, lia pouco mais de 3 páginas, marcava a folha, guardava-o na mochila novamente e entrava no ônibus. 35 minutos separavam meu ponto da escola. Eu sempre ia em pé por quase 18 minutos, depois desciam muitos alunos de uma grande escola e eu podia me sentar. Então passava mais 17 minutos sentado lendo até que algum outro aluno tocasse o sinal e descessemos do ônibus. Era assim, sempre.
Mas naquele dia tudo fora diferente. Lembro-me que na noite anterior meu pai pediu-me pra não dormir tão tarde. Mas eu estava acostumado a acordar todos os dias no mesmo horário, ainda que dormisse um pouco mais tarde. Quando acordei, o relógio marcava 6:50h, percebi então que chovia muito forte, talvez por isso tivesse acordado mais tarde. Arrumei-me correndo, peguei a mochila e corri pro ponto. Mas no meio do caminho o ziper da mochila abriu e meus papéis espalharam-se pelo chão molhado. Coloquei-os de qualquer jeito e continuei correndo. Estava quase chegando no ponto quando vejo o ônibus se afastando. Ainda tentei correr, mas ele não parou. Sentei então em um dos bancos. Eu estava bastante molhado, mas naquele momento mal me importei com isso. Olhei no relógio do letreiro eletrônico da praça, eram 7:04h. Eu estava desolado, arrasado, molhado, e pior, atrasado. Se havia algo que detestava era atraso. Os minutos custaram a passar... Pensei em milhões de coisas e olhei de novo o relógio, 7:09h. Tentei me entreter com o modo como a água corria de cima do telhado pro chão. Tentei me entreter com as acrobacias que as pessoas faziam procurando um lugar pra se proteger da chuva. Tentei me entreter com a bolinha vermelha do gorro de uma criança no colo de uma senhora do meu lado. Nada deu jeito.
A senhora ao meu lado começou então a conversar comigo. Falamos basicamente sobre a chuva. Sobre as pessoas que nao tinham casa pra se abrigar, sobre os agricultores que tanto esperaram por aquela chuva, sobre as enchentes decorrentes da falta de estrutura pra receber toda aquela água, etc. Olhei novamente no relógio da praça, eram 7:28h. Um outro ônibus estava vindo pro ponto, era o meu. Levantei e despedi-me da senhora com o menino no colo. E antes que eu entrasse no ônibus ela me disse: Não tenha pressa meu garoto, talvez hoje não seja o seu dia. E é nesses dias que devemos tem mais calma, pressa só o fará atrapalhar mais ainda seu atrapalhado dia.
Ouvi o que a senhora disse sem dar muita importância e entrei no ônibus, ele estava um pouco cheio, por isso me sentei em uma das cadeiras da frente. Abri minha mochila, havia esquecido o livro em cima da mesa de cabeceira na noite anterior, na pressa de sair e não me atrasar não o peguei. Fiquei então pensando no que a senhora havia me tido... Não havia realmente entendido o significado das palavras. Destraí-me com isso até chegar próximo o meu ponto. Levantei-me então para pagar a passagem. Coloquei a mão nos bolsos, tal qual o livro, havia me esquecido de pegar o dinheiro da passagem devido a pressa. Olhei para os lados, estava desesperado. Estranhamente, não havia ninguém conhecido no ônibus.
Falei então com o cobrador do ônibus, expliquei a ele minha situação, faltavam apenas dois pontos pra chegar a escola. Ele me disse que eu deveria descer no ponto em que o ônibus havia parado, e que não fizesse mais isso. Como desci pela frente, todos olharam pra mim. Corri então em direção à escola, mas como já estava muito atrasado continuei o trajeto andando. Ao chegar deparei-me com o portão fechado. Chamei, bati palma, gritei, e nada. Ninguém apareceu...
Resolvi então ir perguntar ao moço da padaria em frente à escola. Atravessei a rua, entrei na padaria e dei de cara com um garoto da escola. Ele estava vestido informalmente, então perguntei: Porque não foi à aula?
E ele me respondeu: Ué, porque hoje é sábado, não tem aula. - E saiu em direção a sua casa.

Andei então até uma pequena praça que havia perto e me sentei em um banco de madeira. Lembrei-me então do que a senhora havia me dito... De tão ridículo, fora até engraçado ter passado por tudo aquilo. É, às vezes não é mesmo nosso dia...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Necessidade de mudança...

Será viver apenas cumprir com as necessidades básicas do qual o ser humano precisa? Respirar, comer, crescer, reproduzir... será isso o bastante?
Seres humanos dependem de infinitas coisas para manterem-se vivos. Atenção, reconhecimento, respeito... coisas fundamentais em qualquer forma de relacionamento. Estes, requerem equilíbrio para existirem de modo saudável... tal qual uma balança, se um dos lados pesa mais o equilíbrio deixa de existir, e alguém acaba carregando um peso maior.
Quando se acumula pequenas(ou grandes) quantidades de cargas oriundas de desequilíbrios costuma-se desabafar, ou chorar, ou entrar em depressão, ou isolar-se, ou ainda(em casos extremos de desequilíbrio consigo mesmo) tirar a própria vida.
Por sermos seres humanos e vivermos em sociedade, todos nós estamos sujeitos a termos relacionamentos que caem em desequilibrio. Porém, entra aí o fator emocional, que o leva, muitas vezes, a aceitar relacionamentos desequilibrados pelo fato de possuir bons sentimentos por aquele com o qual se relaciona.
Retornam aí os itens fundamentais pra uma relação: atenção, reconhecimento e respeito. Se há sentimento, mas não há respeito, não haverá equilíbrio, e assim por diante.
E as pessoas, muitas vezes, vivem assim por toda a vida... e aquele que guardar pra si mesmo essas pequenas(?) mágoas do dia-a-dia, pelo simples fato de não querer machucar quem gosta sendo realista, sofre mais do que deveria.
E essas mágoas vão se acumulando, até que um dia tentam sair... mas este as reprime novamente, e assim faz por toda a sua vida. Porém, aquele que não foi magoado continuará a agir do mesmo modo, porque é cômodo viver sem algo a cutucar-lhe a consciência. Entra aí outro fator fundamental em qualquer relacionamento: auto-crítica. Sem isso, o relacionamento fica desigual, injusto, e pesado demais pra um dos lados carregar sozinho.
E começam ações cada vez mais egoistas, dos dois lados. Vez ou outra, conversam e tentam colocar tudo isso um ao outro... mas quase sempre nenhum dos dois abre mão do próprio ponto de vista. E magoados e magoadores continuam existindo... até um dia cessar e deixar de existir.
Mas nossa consciência cobra mudança de cada um de nós... e é dessa necessidade de mudança que surgem muitas ações desesperadas, como o suicídio.
Desses desequilibrios surgem doenças fisicas, emocionais e psicologicas... e não há ninguém que nao desenvolva sua própria patologia. Vamos adoencendo mais com o passar dos anos, e nossa omissão só agrava o problema. Não há como mentir, o mundo não é uma colônia de férias. estamos aqui para apredermos a lidar com tudo isso, e tentar chegar até o final com o que tem, ainda que seja pouco, ou que tenha que chegar sozinho. Aquele que vive deixando somente os dias passarem já deixou de viver a muito tempo, porque morreu por dentro, porque o olho não brilha mais, porque ter a certeza de que quase não viveu... de que apenas existiu. E aí vem o arrependimento de não der dito, de não ter feito, de não ter vivido. E se amargura pensando na própria vida, e vendo que deixou muitas coisas pra trás. "E se eu tivesse feito o meu melhor?", "E se eu tivesse vivido cada momento como se fosse o último?"... Mas uma coisa é certa, o tempo que passou nunca mais voltará. E não há nova oportunidade de refazer a própria vida, é viver o aqui, é viver o agora, ou arrepender-se ao final por ter sido apenas mais um em sua própria vida.
O destino da vida é a morte. Ao respirarmos pela primeira vez fora do corpo de nossa mãe, começamos a envelhecer. E vamos existindo até que tenhamos envelhecido o bastante para morremos. Porque cada um tem seu tempo... e não importa quantos anos tenham se passado desde de que nasceu se nada mudou dentro de você. E o tempo nunca vai parar pra te esperar pensar no que fazer amanhã... porque planos não são feitos para serem cumpridos, e sim pra servirem de guia.
Planeje a cada dia ter o melhor dia de sua vida, e não terá simplesmente existido.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

O único amigo...

Eu era um garoto magro, branco, com olhos castanhos e cabelos curtos. Nessa época eu tinha apenas 11, e acreditava piamente saber muito sobre a vida para alguém naquela idade. Talvez por isso era bastante popular, e tinha muitos colegas. Assim, eu escolhia como amigos só os que me favoreciam, e em troca trazia a eles parte da popularidade que eu tinha.
Eu tinha um amigo de infância, o Fernando. Ele era um garoto muito timido, sempre cabisbaixo, envergonhado. Ele era constantemente humilhado na escola por sem gordinho e ter uma condição financeira simples. E eu pouco fazia pra mudar aquela situação, pelo contrário, as vezes até ajudava a fazer piada do Fernando. Mas essa história não começa aqui...

Quando o conheci eu tinha apenas 3 anos. A família dele estava de mudança, ele seria meu vizinho. Esta é a lembrança mais antiga que tenho dele... ele desce do carro e tenta carregar algumas coisas pra dentro da casa enquanto eu brincava no jardim. Depois ele vem andando na minha direção com um chocolate na mão...
- Oi, você quer chocolate?
- Quero.
Então ele quebrou o chocolate, olhos para os dois pedaços e me deu o maior, depois riu e voltou correndo pra pegar algumas coisas leves que ele podia carregar.

Depois desse dia sempre brincávamos no quintal da minha casa. Nessa época, seu pai tinha um emprego muito bom e o Fernando sempre tinha brinquedos melhores que os meus. Além de tudo, ele era filho único, e eu tenho dois irmãos. Tudo lá em casa era dividido pra três, mas para o Fernando não, era só ele... integralmente ele.
Seu pai trabalhava como gerente em uma fábrica de eletrodomésticos, enquanto meu pai tinha uma padaria. Minha amizade com o Fernando começou muito rápido, não havia passado um mês que nos conhecemos e já íamos sempre na casa do outro. Particularmente, eu adorava ir à casa dele, a comida era muito melhor do que na minha, e lá sempre tinha alguma novidade... Além de tudo, o pai dele sempre trazia algo pra ele.

Nós fomos crescendo e a amizade continuou... com 6 anos viajei com a família dele pra praia. Fazíamos tudo juntos. Começamos a estudar juntos, passávamos o dia interinho grudados.
Eu adorava as coisas do Fernando... ele tinha um quarto super legal, era grande e cheio de brinquedos. Enquanto o meu era bem menor e, como tudo, dividido pra três. Era horrível dormir no mesmo quarto que meus irmãos, por isso, sempre que podia eu ia dormir na casa do Fernando.

Quando chegava o fim de semana, sempre íamos a sorveteria, ou a uma lanchonete... e ele sempre pagava. Uma vês por mês íamos ao parque, se eu não fosse ele também não ia. Ele me adorava!

Quando tinhamos 9 anos a fábrica onde seu pai trabalhava faliu e eles ficaram na miséria... Seu pai passou muito tempo desempregado, e eles tiveram que vender muitas coisas pra pagar as contas e a alimentação. Depois disso, o Fernando ia sempre almoçar lá em casa, mas nossa amizade foi só se perdendo... antes de completar 3 meses já não nos falávamos mais, a não ser que vissemos o outro na rua. Mas ir na casa dele? Nem pensar!

No ano seguinte não estudamos juntos, ele foi estudar em uma escolinha perto da nossa casa, já que agora não tinha mais dinheiro pra o transporte. Eu continuei na mesma escola, com os mesmos colegas e não vi mais o Fernando.

O ano se passou e eu mudei de escola... por coincidência eu e o Fernando ficamos na mesma sala, mas eu não falava com ele. Ele não era popular, não tinha mais dinheiro, além de tudo, ele era gordo. Pelo menos tirava boas notas. À medida que o tempo ia passando ele ia ficando mais e mais isolado, ninguém falava com ele! Ele nem era notado, era ele o grande mártir da rejeição.

Era uma quinta feira, chovia forte e cada um exibia belas roupas pra se proteger do frio e da chuva, enquanto o Fernando continuava sentado em seu lugar, com sua roupa simples e um semblante abatido. Já não havia mais espaço em seu caderno para mais desenhos... ele desenhava a aula toda. Eram desenhos muito bonitos e bem feitos, porém haviam alguns que ele não guardava no caderno... simplesmente destacava a folha e os guardava no bolso.
Naquele dia, os outros meninos da sala planejavam tirar dele esses desenhos, queriam saber o que era tão secreto a ponto de não poder ser revelado ou guardado em outro lugar que não no próprio bolso.
Terminada a aula, eles o seguiram e após se afastarem da escola o abordaram...
- Ei, Fernando! Você gosta de desenhar não é?
- É... gosto. Porquê? - perguntou ele timidamente.
- É que você passa a aula toda desenhando, e deixa os desenhos no caderno. Mas existem alguns desenhos que você arranca e guarda no bolso...
- Porquê estão me dizendo isso? - Perguntou Fernando, já bastante ofegante.
- Eu só quero que você me dê esses desenhos, aí a gente não te machuca. Certo?
- Não! Esses desenhos são meus... e eu não vou entregar pra ninguém.

E Fernando tentou correr, mas os garotos logo o pegaram. Enquanto uns seguravam braços e pernas outros reviravam-lhe os bolsos, tirando todos os papéis cuidadosamente dobrados.
Eu continuei de longe, escondido atrás de um carro olhando aqueles garotos baterem e tirarem do Fernando os papéis que eles não queria mostrar a ninguém.
Depois de baterem bastante nele e rirem do conteúdo dos desenhos o deixaram lá. Jogado no chão, molhado pela água que se acumulava em pequenas poças. Seu rosto estava inchado e seu nariz sangrava. Era desumano demais vê-lo ali e não fazer nada.

Saí correndo em direção a ele e o abracei. Em suas mãos estavam os papéis, agora um pouco molhados. Peguei um deles e olhei... éramos nós dois. Como antes. Brincando sentados na grama.
Então eu o abracei forte, e disse a ele que nunca mais deixaria que meu único amigo sofresse de novo. Porque pra ele minha amizade era a única coisa que importava. Dinheiro, conforto, popularidade... tudo isso é efêmero.

E desse dia em diante aprendi o que era amizade.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Antes que a velhice chegue...

Quero aprender a rir com a mesma inocência que ria antes, quero aprender a chorar quando quiser chorar, ou calar quando não houver nada pra dizer. Quero aprender a ser eu mesmo, e não esconder a tristeza atrás da máscara, quero ser honesto comigo, quero assumir que não posso viver sozinho. Porque quando meu corpo estiver velho e cansado, e minha respiração falhar no meio de cada palavra, que haja resignação no meu peito, que ainda haja brilho em meus olhos...
Quero aprender a não julgar sem conhecer, e a arriscar mais sem medo de errar. Quero aprender um modo de não deixar buraco na vida de ninguém quando eu não estiver mais aqui. Quero entender de onde vem o meu sadismo, de onde vem meu instinto de vingança, de onde vem meu orgulho, de onde vem minha tristeza. Quero aprender a dizer "não" sem magoar quem ouve. Quero me poupar mais, me ajudar mais. E cuidar melhor de mim, sem ter que matar algo em mim pra nutrir o sentimento do outro.
E quando a saudade aperta porque não chorar? Será que suas lágrimas causarão tanto estrago assim a ponto de serem evitadas a todo custo? Mas se a cada lágrima contida um rio de tristeza e amargura corre em suas veias, será mesmo certo se destruir pra conservar o outro?!
Além do limite da razão está o amor... mas o que é o amor?
Antes que a velhice chegue, que eu aprenda a viver, que eu aprenda a buscar ideais comuns à felicidade de mais pessoas além de mim, que haja orgulho nas falas dos que lembrarem de mim, que eu eu possa ser útil a alguém, de modo a torná-la melhor, e terei assim feito algo que mudou o mundo. Ainda que tenha sido um mundo.
Antes que a velhice chegue quero ter pra onde ir, quero não desviar rotas pela necessidade de atenção que a idade implica, quero não estar revoltado ou louco, ou ainda blasfemar palavras sem sentido pelo simples fato de não ter sido o que eu quis ser.
Se a vida me trouxe até onde estou hoje, terei de viver do mesmo modo... que viva então sem sofrer mais do que precisa, que viva sem rir mais do que precisa. Que haja paz!
Ninguém jamais encontrará o equilíbrio, porque este é perfeito, e se é perfeito nao pode ser humano. Mas, sabendo que não alcancerei plenamente o equilibrio, que eu possa chegar perto... que não hajam temores ou culpas à se resolver. Pra que eu possa assim descançar em paz.
E que antes que a velhice chegue, espero ter aprendido a viver.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A força...

Ela não tem cheiro, ela não tem cor, ela não tem forma, ela não tem sentimentos, ela não ri, ela não chora, ela não canta, ela não anda, ela não vive!
Mas ela mata, ela muda todos os destinos, ela age sobre você independente da sua vontade, ela lhe faz rir, lhe faz ver cores, lhe faz ver formas, provoca-lhe sentimentos, provoca-lhe risos, provoca-lhe choro, e te faz cantar, te faz andar, te faz viver.
Esta, que não tem nome, chamamos somente de força. Ela que muda cada destino sem nem pedir permissão, ela que enterlaça pensamentos pelo simples fato de ser. Ela. Quem é ela? Quem pensa que é pra fazer o que quer? De onde vem essa força?
Ela vem de nós, vem de nossa cultura, vem de nossos pensamentos, vem de nossa criatividade, vem de tudo que podemos imaginar, ainda que não tenha nome.
É a força da palavra, aquela que usamos a todo momento... em nossa cabeça tudo é dito, a quem pertence a voz que narra nossos pensamentos? A nós mesmos. Somos nós ultilizando a força da palavra. Essa força que salva, mas também mata.
Palavras, palavras... muito antes de existir alfabeto elas já existiam. Só não tinham nome, só não provocavam som. Mas o que fazer com as palavras?!
Quem tal fazer o melhor, porque essa força não tem dono, não tem grades, não tem medo. O medo está em nós, as grades estão em nós.
Inspire a força da palavra, e expire a primeira palavra que lhe vier à cabeça.
Mas lembre-se que ela não pertence a mim ou a você, ela simplesmente é.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Olhando pra dentro.

Muitas vezes nos frustramos por percebemos que não somos o que realmente pretendíamos ser... Em qualquer campo da consciência, sempre há algo em nós que se pudéssemos mudar nem pensaríamos dus vezes, seja alguma coisa no corpo, alguma mania, algum defeito, etc. Não estamos errados por buscarmos ver em nós mesmos coisas que não condizem com nossos gostos, porém, errado é aquele que sofre por não ser ou ter aquilo que queria, e muitas vezes violenta a si mesmo na tentativa de mudar aquilo que sem tem, exemplos disso não faltam no nosso dia-a-dia. E a cada dia mais são produzidas coisas para esse público, o público que nunca se agrada com o que é... aí vem toda uma lista de produtos: de chapinhas, maquiagem, cremes, perfumes, além, é claro, dos editores de foto. Não que esteja errado aquele que preserva certo grau de vaidade, faz bem sentir-se bonito, sentir agradável é muito bom. Porém, não podemos destruir o nosso "eu exterior" em decorrência da vaidade do "eu interior", tornando-se escravos do próprio ego. Quando se valoriza o que se tem de bom o que há de ruim fica em segundo plano... é tão ruim ver pessoas lindas por fora e vazias. Traçando outro parelelo com o dia-a-dia, quando vamos a um supermercado fazer compras já temos em mente o que queremos, então procuramos o produto que queremos, aí escolhe-se a qualidade que se precisa, pra só assim escolhermos entre levar o produto X ou Y, aí a embalgem entra como critério de desempate, seja por ser mais prática, mais bonita ou o que for. Porém, na vida preferimos o caminho contrário, primeiro vemos a embalagem pra só então vermos o conteúdo. E acabamos levando belas embalagens vazias. Isso não vale só para o outro... mas sim principalmente pra nós mesmos. Quantas vezes não deixamos pra lá o que há dentro pra tentar valorizar o que há fora?
E quando não conseguimos ver o que há dentro de nós mesmos tampouco conseguimos mostrar a alguem ou ver o que há dentro do outro... antes de valorizar o exterior do outro deveriamos valorizar nosso interior, assim consegue-se ser feliz sem ter de se machucar tanto.
"Cada pessoa atinge o céu de sua própria forma".

Momentos...

Momentos...
"Mas aqueles anjos agora já se foram, depois que eu cresci"