sábado, 16 de fevereiro de 2008

O único amigo...

Eu era um garoto magro, branco, com olhos castanhos e cabelos curtos. Nessa época eu tinha apenas 11, e acreditava piamente saber muito sobre a vida para alguém naquela idade. Talvez por isso era bastante popular, e tinha muitos colegas. Assim, eu escolhia como amigos só os que me favoreciam, e em troca trazia a eles parte da popularidade que eu tinha.
Eu tinha um amigo de infância, o Fernando. Ele era um garoto muito timido, sempre cabisbaixo, envergonhado. Ele era constantemente humilhado na escola por sem gordinho e ter uma condição financeira simples. E eu pouco fazia pra mudar aquela situação, pelo contrário, as vezes até ajudava a fazer piada do Fernando. Mas essa história não começa aqui...

Quando o conheci eu tinha apenas 3 anos. A família dele estava de mudança, ele seria meu vizinho. Esta é a lembrança mais antiga que tenho dele... ele desce do carro e tenta carregar algumas coisas pra dentro da casa enquanto eu brincava no jardim. Depois ele vem andando na minha direção com um chocolate na mão...
- Oi, você quer chocolate?
- Quero.
Então ele quebrou o chocolate, olhos para os dois pedaços e me deu o maior, depois riu e voltou correndo pra pegar algumas coisas leves que ele podia carregar.

Depois desse dia sempre brincávamos no quintal da minha casa. Nessa época, seu pai tinha um emprego muito bom e o Fernando sempre tinha brinquedos melhores que os meus. Além de tudo, ele era filho único, e eu tenho dois irmãos. Tudo lá em casa era dividido pra três, mas para o Fernando não, era só ele... integralmente ele.
Seu pai trabalhava como gerente em uma fábrica de eletrodomésticos, enquanto meu pai tinha uma padaria. Minha amizade com o Fernando começou muito rápido, não havia passado um mês que nos conhecemos e já íamos sempre na casa do outro. Particularmente, eu adorava ir à casa dele, a comida era muito melhor do que na minha, e lá sempre tinha alguma novidade... Além de tudo, o pai dele sempre trazia algo pra ele.

Nós fomos crescendo e a amizade continuou... com 6 anos viajei com a família dele pra praia. Fazíamos tudo juntos. Começamos a estudar juntos, passávamos o dia interinho grudados.
Eu adorava as coisas do Fernando... ele tinha um quarto super legal, era grande e cheio de brinquedos. Enquanto o meu era bem menor e, como tudo, dividido pra três. Era horrível dormir no mesmo quarto que meus irmãos, por isso, sempre que podia eu ia dormir na casa do Fernando.

Quando chegava o fim de semana, sempre íamos a sorveteria, ou a uma lanchonete... e ele sempre pagava. Uma vês por mês íamos ao parque, se eu não fosse ele também não ia. Ele me adorava!

Quando tinhamos 9 anos a fábrica onde seu pai trabalhava faliu e eles ficaram na miséria... Seu pai passou muito tempo desempregado, e eles tiveram que vender muitas coisas pra pagar as contas e a alimentação. Depois disso, o Fernando ia sempre almoçar lá em casa, mas nossa amizade foi só se perdendo... antes de completar 3 meses já não nos falávamos mais, a não ser que vissemos o outro na rua. Mas ir na casa dele? Nem pensar!

No ano seguinte não estudamos juntos, ele foi estudar em uma escolinha perto da nossa casa, já que agora não tinha mais dinheiro pra o transporte. Eu continuei na mesma escola, com os mesmos colegas e não vi mais o Fernando.

O ano se passou e eu mudei de escola... por coincidência eu e o Fernando ficamos na mesma sala, mas eu não falava com ele. Ele não era popular, não tinha mais dinheiro, além de tudo, ele era gordo. Pelo menos tirava boas notas. À medida que o tempo ia passando ele ia ficando mais e mais isolado, ninguém falava com ele! Ele nem era notado, era ele o grande mártir da rejeição.

Era uma quinta feira, chovia forte e cada um exibia belas roupas pra se proteger do frio e da chuva, enquanto o Fernando continuava sentado em seu lugar, com sua roupa simples e um semblante abatido. Já não havia mais espaço em seu caderno para mais desenhos... ele desenhava a aula toda. Eram desenhos muito bonitos e bem feitos, porém haviam alguns que ele não guardava no caderno... simplesmente destacava a folha e os guardava no bolso.
Naquele dia, os outros meninos da sala planejavam tirar dele esses desenhos, queriam saber o que era tão secreto a ponto de não poder ser revelado ou guardado em outro lugar que não no próprio bolso.
Terminada a aula, eles o seguiram e após se afastarem da escola o abordaram...
- Ei, Fernando! Você gosta de desenhar não é?
- É... gosto. Porquê? - perguntou ele timidamente.
- É que você passa a aula toda desenhando, e deixa os desenhos no caderno. Mas existem alguns desenhos que você arranca e guarda no bolso...
- Porquê estão me dizendo isso? - Perguntou Fernando, já bastante ofegante.
- Eu só quero que você me dê esses desenhos, aí a gente não te machuca. Certo?
- Não! Esses desenhos são meus... e eu não vou entregar pra ninguém.

E Fernando tentou correr, mas os garotos logo o pegaram. Enquanto uns seguravam braços e pernas outros reviravam-lhe os bolsos, tirando todos os papéis cuidadosamente dobrados.
Eu continuei de longe, escondido atrás de um carro olhando aqueles garotos baterem e tirarem do Fernando os papéis que eles não queria mostrar a ninguém.
Depois de baterem bastante nele e rirem do conteúdo dos desenhos o deixaram lá. Jogado no chão, molhado pela água que se acumulava em pequenas poças. Seu rosto estava inchado e seu nariz sangrava. Era desumano demais vê-lo ali e não fazer nada.

Saí correndo em direção a ele e o abracei. Em suas mãos estavam os papéis, agora um pouco molhados. Peguei um deles e olhei... éramos nós dois. Como antes. Brincando sentados na grama.
Então eu o abracei forte, e disse a ele que nunca mais deixaria que meu único amigo sofresse de novo. Porque pra ele minha amizade era a única coisa que importava. Dinheiro, conforto, popularidade... tudo isso é efêmero.

E desse dia em diante aprendi o que era amizade.

2 Comments:

Anônimo said...

que bunitooo
cocoo..



ameeei o contooo

Anônimo said...

É. Muita gente visa amizades pela troca de "confortos". Esses aí ainda não conhecem o que há de verdadeiro.

Belo conto!
Gostei!

abç.

Momentos...

Momentos...
"Mas aqueles anjos agora já se foram, depois que eu cresci"