quarta-feira, 18 de março de 2009

(07) Re-começo

A melodia sussurrada de Joanna cessou-se quase instantaneamente ao vê-lo. O rapaz virou-se, fitando-a com um olhar melancólico e opaco. Aquele momento parecia um tanto surreal para a garota. Os claros olhos azuis do qual tanta saudade sentira agora petrificavam-na pouco a pouco... O rosto marcado, as roupas rasgadas, o corpo de homem, a cabeça raspada, os papéis em seu colo.
O jovem levantou-se, deixando todos aqueles papéis espalhados sobre o sofá. Em duros passos firmes ele alcançou Joanna. E ela sequer podia se mexer... Ele a olhou de bem perto, seu olhar apresentava um misto de dor e tristeza. Naquele momento o mundo pareceu parar diante da eternidade que duraram aqueles segundos. E os braços se entrelaçaram, apertando bem forte. Lágrimas e suspiros misturavam-se vagarosamente aos sentimentos que eram trocados naquele abraço. Não foi preciso dizer nada. As mãos duras e calejadas dele sobre as costas dela, as mãos macias dela afagando-lhe a cabeça. E ambos choraram... E milhões de pensamentos daqueles anos todos escorreram devagar entre eles.
Os pensamentos de Joanna, que muito demoraram pra entrar em ordem, agora bagunçavam-se novamente... Como uma prateleira de livros que tomba, misturando todos os conhecimentos, sem qualquer ordem, sem qualquer objetivo.
Depois do primeiro contato, sentaram e conversaram por horas. Joanna contou a Richard sobre os principais eventos ocorridos nesses anos todos, e fez muitas perguntas também. Ele explicou a ela sobre os sofrimentos todos daquela Guerra, e sobre a peste que levou seu pai à morte. Falou também sobre um amigo feito lá, que morrera para salvá-lo durante uma invasão inimiga à Divisão. E assim continuaram conversando até a chegada de Hill ao apartamento.
Depois de apresentados, Joanna preparou o jantar e todos sentaram-se pra comer. Era notório o modo como a guerra influenciara nos modos de Rich. Sua irmã o observava com delicadeza, mas, por hora, assustava-se com alguma feição ou palavra que lhe parecia estranha. Após o jantar, sentaram-se na sala para ouvir Joanna tocar brilhantemente seu trompete. E os olhos de Richard mais uma vez choraram, vendo a mulher incrível que sua irmã havia se tornado... E naquele instante, em que a suava melodia inundava o ambiente ele se lembrou de sua infância, e dos poucos momentos que tivera com Joanna. As traquinagens de criança, o passeio no parque aos sábados, brincar com a neve no inverno. Momentos que violentamente viraram lembranças, a trajetória da sua vida, as amarguras da vida de Joanna, a morte de seus pais, as cartas que não chegavam...

- Joanna! – Berrou Richard subitamente, interrompendo a música- As cartas! Perdoe-me pelas cartas. Elas não chegavam a nós. Somente fui ter ciência quando me foi permitido o regresso. Me perdoa Joanna, eu não estava aqui quando você precisou de mim. Eu não estava aqui pra te ver mudar, pra te proteger. Eu prometi que cuidaria do papai, e eu o perdi. Eu não estava do seu lado... Quando você chorava, quando precisou cuidar da mamãe, quando arrumou trabalho. Eu não soube... Eu não... pude.

A cabeça de Joanna rodava mais uma vez... Ela conhecia aquela sensação. Quantas vezes sentira aquilo em toda sua vida? Seu corpo inteiro tremia, e as lágrimas brilhavam no seu rosto, igual ao trompete em suas mãos. Seus olhos fitaram os papéis sobre o sofá... Reconhecera sua própria letra. Por quantas vezes aquelas cartas não foram seu único refúgio? Ela não conseguia aceitar que todas aquelas palavras chegaram frias ao seu irmão. E entre tantos sentimentos, quantas foram escritas com tanto carinho e dedicação, outrora com tanto medo e saudade? Mas, porque? Porque tinha que ser daquele jeito? E por um instante Joanna fechou os olhos, e chorou. Os braços fortes de seu irmão mais uma vez a abraçara. E uma chama dentro dela se acendeu. Sentiu-se segura, protegida...

- Richard... Não há porque você se desculpar, meu irmão. Você, assim como eu, é apenas vítima. Vítimas Rich, vítimas da vida. Mas, saiba... Você sempre esteve aqui, em meu coração. E foi a certeza de reencontrar-te que me fez chegar até aqui. Não há mais porque sofrer, irmão. Estamos juntos novamente, e isso é o que importa. Por mais que o tempo passe, eu continuarei a te amar, da mesma forma, com a mesma intensidade. Você é parte de mim Richard, uma parte que eu nunca vou esquecer. E como parte de mim, é meu dever cuidar de você... Porque cuidar de você é cuidar de mim também. Eu te amo, irmão. E sempre amarei.

Durante alguns minutos tudo que se ouviu foi o som das lágrimas e das respirações ofegantes. E aquele abraço poderia durar pra sempre sem que nada mais precisasse ser dito, mas não foi isso que aconteceu. Surgiu de repente, por todos os cantos, um som repleto de vida. Uma melodia firme, que ecoava gentilmente do sax de Hill, eternizando aquele momento.

E foi assim que recomeçou minha história naquela noite linda. Espero ter sido capaz de contar fielmente minha vida a vocês, obrigado por me escutarem.

Um beijo repleto de paz.

Joanna.


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Capitulo anterior: http://loucurasredigidas.blogspot.com/2009/02/06-felicidade-silencio.html

Momentos...

Momentos...
"Mas aqueles anjos agora já se foram, depois que eu cresci"