À beira daquele rio o tempo parecia parado, nem mesmo as águas sentiam-se fortes o bastante para continuar correndo. Até o dançar suave das árvores já havia cessado uma estação antes, tudo parecia anestesiado, ausente. Meus olhos já estavam fechados quando ouvi aquela voz doce. Esta parecia totalmente distinta daquela paisagem, era quente, confortante. E este som abraçou-me, afagando minha face, suavizando minhas sensações. Nesse momento, esqueci do dançar das árvores, assim como do correr das águas e dos pulmões cheios de ar. Eu era a plena expressão de um som, notas harmoniosas que combinavam-se com palavras e embalavam-me a alma.
Nesse dado momento, já não sabia onde estava meu corpo. Sem frio, anestesia ou sono, pus-me a rodopiar sobre a voz. Aquela voz mexia comigo, seu timbre claro, carinhoso. Dançávamos eu e a liberdade, sob uma paisagem que parecia algodão, ou nuvem. Teria eu morrido sem saber? Iniciados meus questionamentos, um novo elemento surgiu.
Um dedo frio tocou-me a testa, riscando cautelosamente minha utopia. Não houve tempo de pensar, desabei sobre o corpo gelado à margem do rio. Logo após o baque surdo, as sensações voltaram. Desta vez, haviam muitas vozes curiosas ao meu redor. Algumas mãos tocavam-me, e uma infinidade de pensamentos misturavam-se perante a platéia, ansiosa por alguma resposta.
- É hora de irmos embora, despeça-se logo do rio e da ponte, assim como das pessoas que assistem. Despeça-se também do frio e das árvores nuas e imóveis, descalce-se desse solo úmido e venha comigo. Mas nunca olhe pra trás.