terça-feira, 16 de setembro de 2008

Da paisagem de inverno.

Era uma tarde de inverno e fazia frio. Era um frio gritante, maldoso e úmido, profundamente úmido. Meus pulmões estavam cheios daquele ar gelado, minha cabeça e meu peito doíam, estáticos. Meu corpo já não apresentação movimentação alguma na tentativa de produzir calor, nem sequer tremia mais. Fora simplesmente endurecendo, sonolento, pesado.

À beira daquele rio o tempo parecia parado, nem mesmo as águas sentiam-se fortes o bastante para continuar correndo. Até o dançar suave das árvores já havia cessado uma estação antes, tudo parecia anestesiado, ausente. Meus olhos já estavam fechados quando ouvi aquela voz doce. Esta parecia totalmente distinta daquela paisagem, era quente, confortante. E este som abraçou-me, afagando minha face, suavizando minhas sensações. Nesse momento, esqueci do dançar das árvores, assim como do correr das águas e dos pulmões cheios de ar. Eu era a plena expressão de um som, notas harmoniosas que combinavam-se com palavras e embalavam-me a alma.

Nesse dado momento, já não sabia onde estava meu corpo. Sem frio, anestesia ou sono, pus-me a rodopiar sobre a voz. Aquela voz mexia comigo, seu timbre claro, carinhoso. Dançávamos eu e a liberdade, sob uma paisagem que parecia algodão, ou nuvem. Teria eu morrido sem saber? Iniciados meus questionamentos, um novo elemento surgiu.

Um dedo frio tocou-me a testa, riscando cautelosamente minha utopia. Não houve tempo de pensar, desabei sobre o corpo gelado à margem do rio. Logo após o baque surdo, as sensações voltaram. Desta vez, haviam muitas vozes curiosas ao meu redor. Algumas mãos tocavam-me, e uma infinidade de pensamentos misturavam-se perante a platéia, ansiosa por alguma resposta.
Meus olhos se abriram, rompendo de modo pouco singelo alguns dos comentários dos espectadores. Um cheiro rubro de curiosidade e água correndo misturaram-se no ar gelado. A confusão permaneceu presente em mim, até que uma voz ergueu-me, dizendo:
- É hora de irmos embora, despeça-se logo do rio e da ponte, assim como das pessoas que assistem. Despeça-se também do frio e das árvores nuas e imóveis, descalce-se desse solo úmido e venha comigo. Mas nunca olhe pra trás.

Momentos...

Momentos...
"Mas aqueles anjos agora já se foram, depois que eu cresci"