terça-feira, 25 de março de 2008

~ De um universo infantil ~

Era, sem dúvida, a risada mais gostosa do quarto. Acredito que a melhor que já ouvi. Talvez, não fosse por aquela risada todos os dias, eu estivesse mal até hoje. Mas não havia como não sentir-se bem com aquela risada, era calma, natural.
Na verdade, eu nunca disse a ela que não a achava bonita, mas beleza não era muito devido à sua simpatia. Era sempre educada e gentil, mesmo quando não estava muito bem.
Antes de conhecê-la eu tinha na cabeça que todo gordo era chato, mas descobri eles são os mais simpáticos entre a classe dos não-agraciados fisicamente pela natureza, ou seja, os feios.
Pra uma criança na minha idade, beleza não é algo tão prioritário. Acredito que o conceito de beleza socialmente aceito vai sendo incorporado aos poucos ao longo da infância e da pré-adolescência. E quanto à idéia de que crianças são puras e inocentes, não creio nisso! As crianças, a cada dia mais, mostram já nascerem com uma carga de informação tal, que, cada vez mais cedo, se equipara à de um adulto.
Foi no meio desse turbilhão de informações que adoeci e vim parar aqui. E assim conheci minha risada predileta. Ela me prometeu que mesmo saindo daqui virá sempre me visitar, até que eu melhore também e possa sair.
Eu, ser pensante, no auge da minha infância, acredito ter criado meu próprio conceito de beleza. Bonito é tudo aquilo que faz bem, e o que não faz bem é feio. É bem simples! Talvez eu mude meus conceitos ao longo da minha vida, com o passar do tempo vou aprender muito mais coisas que me ajudarão a criar conceitos cada vez melhores. Mas o importante é saber que eu posso criar meus próprios conceitos...
Bem, agora preciso tomar o meu remédio e dormir. Ainda bem que a mamãe trouxe papel de escrever pra mim. O tédio é a pior parte daqui... Mas eu logo estarei bom, e vou poder brincar na rua de novo. Espero não adoecer novamente.
Amanha eu escrevo mais...

sábado, 15 de março de 2008

A história de Luiza...

Era uma quarta-feira, chovia muito e o vento invadia todos os lugares, esfriando ainda mais a cidade. Quando chovia ninguém saía de casa, todos corriam para se aquecer de alguma forma e no conforto de seus lares dormiam um ótimo sono em suas camas macias e quentes.
Porém, para Luiza sempre fôra diferente. Não existe conforto algum nas marquizes, e não há maciez alguma nos poucos trapos que ela carregava. Além de tudo, os papelões que cobriam o chão não isolavam-a do frio. Mas isso não era o que mais a fazia sofrer. Pior era o frio que sentia por dentro. Sem amigos, sem família, sem atenção. A solidão era, por si só, o bastante para que ela fosse triste. Mas ainda assim, Luiza não era de se lamentar.
Às vezes, ela queria ser grande o bastante para conseguir um emprego. Com a pouca idade que tinha ninguém a queria, e o único orfanato da cidade só aceitava crianças deixadas pelos pais, ou algum familiar. Mas o que faria? Fôra abandonada por seus pais com pouco mais de 3 anos, a única lembrança que tinha era da voz de seu pai. Nunca mais ouvira aquela voz. Não tinha nenhuma foto ou algo que a ajudasse a lembrar dos rostos daquelas que a puseram no mundo. Às vezes sonhava com pessoas que chegavam e a abraçavam, e chavam-a de filha, desculpando-se por todo o sofrimento que havia passado. Mas logo acordava e via que estava tão só quando na noite anterior, e voltava-se para o seu mundo... Mundo este onde sobreviver é o objetivo, onde não se medem esforços para manter-se vivo.
Tudo que Luiza sabia havia aprendido na rua. Inclusive, que aqueles que estão na rua fazem parte da estrutura social da qual fazemos partes. Ou seja, em qualquer cidade do mundo haverão pessoas com muitos bens, e outras com apenas a própria vida. Isso está pré-determinado. Para que haja riqueza deve haver pobreza.
Luiza via constantemente outras garotas de sua idade na rua voltando da escola, entrando e saindo de lojas, entrando e saindo de lachonetes. E ela se sentia bem com aquilo, via que aquelas crianças eram felizes. Como pode, ela vivia em tão precária situação, mas não sentia inveja daquelas crianças. E quando sentia-se muito triste ela se sentava e imaginava-se em uma vida mais tranquila, indo a escola, almoçando com seus irmãos e pais, assistindo televisão vestida com um pijama comprido, indo ao parque toda arrumada em um domingo bem bonito. E com isso ela sorria, e percebia que cada um tem o que precisa pra viver. E que s ela tinha tão pouco é porquê podia sobreviver com aquilo. Talvez uma daquelas outras crianças não aguentariam a vida que ela levava, talvez ela não aguentasse a vida que eles levavam...
Assim vivia Luiza, sempre pensando em continuar vivendo, sempre pensando em crescer e ser feliz. Esta é apenas mais uma criança abandonada, mais um fruto torto da desigualdade social.
Para quem tão pouco, qualquer pequeno gesto tem grande dimensão... Um sorriso de alguém que somente passou por ela por valer-lhe o dia. Porque precisamos de muito mais do que comida e água pra viver. E quantas Luizas não existem no mundo esperando apenas um sorriso de você que passa na rua...
Dentro da construção social em que vivemos somos causa e consequência o tempo todo, somos todos responsáveis pelos os acertos e erros da sociedade, somos todos um.

domingo, 9 de março de 2008

...

Eu nunca me atrasava pra pegar o ônibus... Todos os dias, às 7h, o ônibus passava. Ele sempre chegava às 6:58h, e saía às 7h. Eu sempre acordava muito cedo, me arrumava e andava calmamente até o ponto. Chegava sempre com 15 minutos de antecedência, sentava-me, abria meu livro, lia pouco mais de 3 páginas, marcava a folha, guardava-o na mochila novamente e entrava no ônibus. 35 minutos separavam meu ponto da escola. Eu sempre ia em pé por quase 18 minutos, depois desciam muitos alunos de uma grande escola e eu podia me sentar. Então passava mais 17 minutos sentado lendo até que algum outro aluno tocasse o sinal e descessemos do ônibus. Era assim, sempre.
Mas naquele dia tudo fora diferente. Lembro-me que na noite anterior meu pai pediu-me pra não dormir tão tarde. Mas eu estava acostumado a acordar todos os dias no mesmo horário, ainda que dormisse um pouco mais tarde. Quando acordei, o relógio marcava 6:50h, percebi então que chovia muito forte, talvez por isso tivesse acordado mais tarde. Arrumei-me correndo, peguei a mochila e corri pro ponto. Mas no meio do caminho o ziper da mochila abriu e meus papéis espalharam-se pelo chão molhado. Coloquei-os de qualquer jeito e continuei correndo. Estava quase chegando no ponto quando vejo o ônibus se afastando. Ainda tentei correr, mas ele não parou. Sentei então em um dos bancos. Eu estava bastante molhado, mas naquele momento mal me importei com isso. Olhei no relógio do letreiro eletrônico da praça, eram 7:04h. Eu estava desolado, arrasado, molhado, e pior, atrasado. Se havia algo que detestava era atraso. Os minutos custaram a passar... Pensei em milhões de coisas e olhei de novo o relógio, 7:09h. Tentei me entreter com o modo como a água corria de cima do telhado pro chão. Tentei me entreter com as acrobacias que as pessoas faziam procurando um lugar pra se proteger da chuva. Tentei me entreter com a bolinha vermelha do gorro de uma criança no colo de uma senhora do meu lado. Nada deu jeito.
A senhora ao meu lado começou então a conversar comigo. Falamos basicamente sobre a chuva. Sobre as pessoas que nao tinham casa pra se abrigar, sobre os agricultores que tanto esperaram por aquela chuva, sobre as enchentes decorrentes da falta de estrutura pra receber toda aquela água, etc. Olhei novamente no relógio da praça, eram 7:28h. Um outro ônibus estava vindo pro ponto, era o meu. Levantei e despedi-me da senhora com o menino no colo. E antes que eu entrasse no ônibus ela me disse: Não tenha pressa meu garoto, talvez hoje não seja o seu dia. E é nesses dias que devemos tem mais calma, pressa só o fará atrapalhar mais ainda seu atrapalhado dia.
Ouvi o que a senhora disse sem dar muita importância e entrei no ônibus, ele estava um pouco cheio, por isso me sentei em uma das cadeiras da frente. Abri minha mochila, havia esquecido o livro em cima da mesa de cabeceira na noite anterior, na pressa de sair e não me atrasar não o peguei. Fiquei então pensando no que a senhora havia me tido... Não havia realmente entendido o significado das palavras. Destraí-me com isso até chegar próximo o meu ponto. Levantei-me então para pagar a passagem. Coloquei a mão nos bolsos, tal qual o livro, havia me esquecido de pegar o dinheiro da passagem devido a pressa. Olhei para os lados, estava desesperado. Estranhamente, não havia ninguém conhecido no ônibus.
Falei então com o cobrador do ônibus, expliquei a ele minha situação, faltavam apenas dois pontos pra chegar a escola. Ele me disse que eu deveria descer no ponto em que o ônibus havia parado, e que não fizesse mais isso. Como desci pela frente, todos olharam pra mim. Corri então em direção à escola, mas como já estava muito atrasado continuei o trajeto andando. Ao chegar deparei-me com o portão fechado. Chamei, bati palma, gritei, e nada. Ninguém apareceu...
Resolvi então ir perguntar ao moço da padaria em frente à escola. Atravessei a rua, entrei na padaria e dei de cara com um garoto da escola. Ele estava vestido informalmente, então perguntei: Porque não foi à aula?
E ele me respondeu: Ué, porque hoje é sábado, não tem aula. - E saiu em direção a sua casa.

Andei então até uma pequena praça que havia perto e me sentei em um banco de madeira. Lembrei-me então do que a senhora havia me dito... De tão ridículo, fora até engraçado ter passado por tudo aquilo. É, às vezes não é mesmo nosso dia...

Momentos...

Momentos...
"Mas aqueles anjos agora já se foram, depois que eu cresci"